A redesignação de sexo de transexuais na justiça

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Crédito da foto: Rafael Sandim.

Thayan Fernando, advogado especialista na área de saúde

O Tribunal do Estado de Minas Gerais, através de decisão monocrática do juiz convocado Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, determinou que uma seguradora de plano de saúde providencie as seguintes cirurgias: Amputação total; Orquiectomia; Reconstrução perineal com retalhos miocutâneos; Neovagina (cólon, delgado, tubo de pele) e Enterectomia por videolaparoscopia.

A decisão quebra um paradigma judicial, visto que, só existem 4 decisões sobre este tema, no qual essas decisões versam sobre procedimentos parciais, e nesta foi concedido a integral redesignação de sexo ao jurisdicionado, em que se tenha conhecimento. A autorização do magistrado traz ao jurisdicionado um direito mais que fundamental, o de reconhecer-se como se é.

A transexualidade, tema complexo e denso, não é somente a alteração de nome e prenome, mas também como a pessoa vê o seu corpo e como se identifica com ele, a pessoa trans não se encontra dentro do seu corpo e/ou gênero. A identidade e singularidade pessoal é a marca de qualquer ser humano, nossa digital, aquilo que faz sermos únicos – diferentes – essa individualidade dá significado a vida, dando qualidade a ela e realização pessoal.

Todos esses coletivos de conceitos convergem ao direito fundamental da personalidade e da dignidade da pessoa humana. O Código Civil e a Constituição Federal instituem o direito de personalidade, através de diversos dispositivos legais, sendo o principal o art. 5 da constituição federal. Mas a luta dos transgêneros por ter seu direito de personalidade garantido ainda é grande, porque, por muitas vezes, tal público é quase sempre obrigado a ingressar com processos judiciais para redesignar seu nome, em seus registros públicos de nascimento e documentos cíveis.

O procedimento judicial para troca de nome é burocrático e demorado, fazendo com que muitos desistam do processo, além disso, no âmbito extrajudicial fica a cargo de um ato discricionário do tabelião, visto que não existe previsão legal na lei de registro público para a alteração na via administrativa. Só existe uma decisão do STF definindo a tese que permite a alteração do nome através da via administrativa, por meio do julgamento de percussão geral do recurso extraordinário de nº 670.422. Diante do direito de como a pessoa quer ser chamada, o corpo também é importante, ou até mais importante. Visto que a pessoa transgênera não se encontra e não reconhece o gênero de origem como seu, causando sofrimento e dor a este grupo de pessoas.

Decisões iguais a esta ecoam em todo o mundo jurídico, como sustentáculo de uma nova era, no qual dá importância a preservação e constituição de direitos humanos e de personalidade, colidindo não só isso, os planos de saúde sempre negaram tal procedimento, relatando que os mesmos não estavam previstos no rol de eventos e procedimentos da ANS. O magistrado, em sua fundamentação, relatou que a redesignação de sexo mesmo que não estivesse no rol da ANS não poderia ser negado por se tratar, como dito anteriormente, de direito fundamental a dignidade da pessoa humana.

A decisão é bastante técnica, pois aborda todos os aspectos referente a laudos psicológicos e trata a transexualidade a luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Não só isso, a decisão é inédita no que se refere aos procedimentos realizados, todas as decisões anteriores eram de procedimentos parciais. A ação trata realmente da amputação da genitália, avanço enorme na jurisprudência nacional e mineira.

Todos os procedimentos, desde tratamento hormonal e até a cirurgia de redesignação de sexo devem ser concedidos através do plano de saúde, visto que o rol de eventos e procedimentos da ANS não exclui aos tratamentos que ainda não foram inseridos em tal resolução. No mais o judiciário, em decisão acertada, ao meu ver, deu direito a um grande grupo de pessoas, por muitas vezes estigmatizadas, que precisam de amparo e proteção.